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O PODER DA SAUDADE

Quando vim para o Canadá, no meio do ano passado, vim principalmente em busca de novas experiências que contribuíssem ao meu crescimento e desenvolvimento. É obvio que, conscientemente, a pandemia não estava nos meus planos, mas não posso negar que ela está sendo um catalisador importante para o meu aprendizado.

O primeiro sentimento que você sabe que vai ter que lidar quando se muda, é com a saudade. Parece clichê falando assim e é desta forma que você também define o tema, quando este lhe vem à cabeça mesmo antes de se mudar: clichê. Você não dá muita bola e acha que vai tirar de letra. Hoje era para minha mãe estar aqui comigo. Estava nos planos ela vir me visitar nessa época. Não deu. Ela está bem em sua casa, cumprindo a quarentena e se cuidando para poder sair quando tudo passar.  Mas, o mais clichê dos sentimentos tem sido meu companheiro inseparável como eu nunca imaginei.

De certo modo, quando penso nisso, me pego analisando como individualmente lidamos com a saudade de forma única, mas também como os fatores externos – e não exclusivos – prestam sua contribuição. É curioso que a palavra “saudade”, em português, realmente não tenha tradução literal na maioria dos idiomas. Dizem até que ela é exclusiva da língua portuguesa. Não sou especialista em Linguística para avaliar, no entanto no inglês realmente não tem. Há outras formas de expressar o sentimento de sentir falta de algo, mas saudade – saudade mesmo – não há não.

Contudo, isso não quer dizer que eles não sintam saudade, muito pelo contrário. E isso provavelmente se aplica a outros idiomas também com a mesma carência. Aqui aprendi o que é conviver com a saudade diariamente, mas de uma forma tão sutil, já arraigada na sociedade. Oito meses por ano, sente-se aqui uma saudade real do calor do Sol. De outubro a maio, por mais que tenhamos muitos dias ensolarados, lidamos com o frio intenso que interfere não apenas na paisagem, mas nos hormônios, no comportamento e nas interações humanas.

É um período longo, porém no qual muitos gestos de amor e carinho são percebidos para auxiliar uns aos outros a se aquecerem, física e espiritualmente. A caridade e a solidariedade são muito fortes por aqui, mais do que eu imaginava. A fraternidade e o prazer em ajudar um irmão estão em toda parte, não somente em projetos grandes, importantes mas em pequenos gestos, que vão desde desenhos infantis colados nas janelas das casas ou mensagens desenhadas com giz no chão, até pequenas bibliotecas ou despensas solidárias nos jardins.

Entretanto, mais até do que tudo isso, o que mais chamou minha atenção desde que cheguei aqui é o valor que eles dão a cada momento que estão vivendo. Talvez pelas estações do ano serem tão bem marcadas, parecendo assim mais breves; pelas safras serem poucas e limitadas; ou pela percepção de que realmente o tempo passa muito rápido mesmo, cada instante é celebrado e aproveitado como deve ser. As casas são decoradas conforme cada ocasião. O jardim é cultivado amorosamente na época certa pelo seu próprio dono. Tortas de maçã ou abóbora, morangos e framboesas comprados diretamente dos produtores locais. O primeiro dia de neve e o primeiro dia sem casaco: tudo é celebrado de acordo com seu devido tempo.

Assim é também a nossa encarnação: repleta de desafios onde cada qual equivale a, no mínimo, uma oportunidade de aprendizado e crescimento. O poder da saudade não é fixar o pensamento no passado. O poder da saudade é valorizar o agora – é aprender que existem ciclos e propósitos. E que o presente é terra fértil para plantar o amor em qualquer estação. Porque a colheita é obrigatória.

TAISA BACHARINI

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