Num dia deste outubro um amigo nos deixou, sem aviso prévio, sem sinal, simplesmente foi-se, jogou seu corpo de um viaduto na rodovia dos Bandeirantes, na noite quente de sampa, deixou-nos em choque, profundamente tristes, pois era uma pessoa que transmitia alegria, do tipo bonachão, que cativava os que estavam a sua volta.
Era palestrante espírita, me pergunto quantas pessoas angustiadas, à beira de um gesto igualmente tresloucado, não foram salvas por suas palavras, pela maneira como expressava suas ideais; em quantas palestras suas não devem ter ido pessoas que estavam necessitando, que estavam no caminho para o mesmo gesto, e foram tocadas por ele.
No entanto, ele mesmo apresentava uma face alegre, dinâmica, mas quantas dores da alma não trazia dentro de si, quantas angústias, quantas decepções, quantos desamores não lhe magoaram o coração, quantas vezes ele teve que encontrar forças e seguir adiante, até que um dia não foi mais possível, foi vencido pela vida.
E nós, amigos, conhecidos, que conviviam, admiravam, trocavam ideias, aonde estávamos que não nos demos conta do que ocorria? Como deixamos passar as aflições que lhe atormentavam a alma? Como não vimos os sinais?
Será que nos tornamos pessoas superficiais? Será que o “Como vai?” virou uma pergunta retórica? Será que queremos mesmo saber como o nosso próximo “vai”? Será que, realmente, nos importamos com as dificuldades do nosso próximo?
Quantas pessoas próximas de nós, a nossa volta, também apresentam uma face alegre, otimista, mas escondem dores excruciantes dentro de si? Quantos precisam de um apoio, de atenção?
Escrevemos, falamos, divulgamos textos elevados, exalamos compreensão e fórmulas de vida em escritos elaborados, lapidamos métodos para enfrentar os desafios, e tudo fica aparentemente muito bem. Mas e a prática real da compreensão, da caridade, do acolhimento? Estamos levando isso para além dos textos, da fala, da divulgação? Fazemos disto um princípio pessoal? Um ensinamento vivo?
Quando a vida nos desperta, com um soco no estômago, como este, é que pensamos no que cada um traz dentro de si, nos desafios que nossos próximos enfrentam, e que cada um tem as suas batalhas, e as vezes a batalha é árdua, é dura, e nem todos conseguem superá-la sozinhos.
Quantas vezes um ombro amigo, uma palavra de apoio, ou apenas um ouvido sem senso de julgamento, para dar a oportunidade de refazer as forças, são os salvadores inconscientes de tragédias?
Muitas vezes nos apegamos à questões e discussões teóricas, triviais, como se isso fosse o mais importante, como se o método A ou B, como se a teoria X ou Y fossem as mais adequadas, mas o que importa, no fim de tudo, é a pessoa, é a alma que se apresenta algumas vezes cansada, ferida, magoada, e que precisa de apoio, suporte, e não de teorias e discussões muitas vezes estéreis.
Este amigo se foi, todos iremos é certo, mas ele foi-se de maneira inesperada, abrupta, fora do combinado. Mesmo sabendo as consequências de seu ato, tirou a própria vida, o que nos dá a dimensão das dores e aflições que suportava. Quantos outros estão à nossa volta, necessitando de um pouco de atenção, de suporte? E para quantos estamos disponíveis, preparados? Quantos sinais deixamos passar, não demos a devida atenção?
Precisamos estar mais disponíveis, mais abertos ao nosso próximo. Em uma época em que tudo parece ter apenas 2 matizes, ou branco ou preto, ou direita ou esquerda, ou sim ou não, existe uma multidão de seres entre esses 2 pontos, que estão passando sua existência tentando superar seus desafios, e muito provavelmente precisando as vezes de apenas um apoio, uma escuta, um olhar.
Compaixão não custa caro, mas infelizmente continua rara em nossos dias.
Amigo, que possas superar as adversidades, ficamos aqui, sentindo sua falta, e nos perguntando: continuamos sendo capazes de ter compreensão pelo outro?