Não nascemos para viver isolados. A convivência com o outro nos melhora e nos impulsiona. Glaucia nos fala sobre isso nesse texto.
Não existe moral na solidão.
O isolamento brutaliza as pessoas e as tornam insensíveis aos outros. Aprendi isto quando ainda era estudante de direito e fui fazer um estágio na Penitenciária do Estado (para o desespero de minha mãe).
Ao me interessar pela estrutura penitenciária, acabei aprendendo que os presos desenvolviam um código social próprio e que a ausência de compromisso com os outros gerava a brutalização do comportamento desses indivíduos, que perdiam até mesmo hábitos já consolidados como, por exemplo, o uso de talher para comer. Como o único utensílio permitido era a colher, não era raro ver indivíduos comendo com as mãos.
Essa situação chamou a minha atenção, porque, pensava eu, se a finalidade da pena era a de ressocializar o indivíduo, um sistema que o distancia de convívios sadios e de hábitos sociais dificilmente vai atingir seu objetivo.
Mas, o que fazer com o indivíduo que transgride as regras da sociedade em que vive? Confesso que, mesmo tendo voltado as minhas atenções para outra área do direito, esta questão nunca me abandonou e faz parte das minhas reflexões.
Hoje, ao escrever este texto, não posso deixar de me lembrar dessa impressão tão vívida e da certeza que adquiri de que nos desenvolvemos quando compartilhamos nosso caminho com pessoas melhores do que nós. Talvez, até mesmo, por sermos orgulhosos e porque não gostamos de nos sentir piores em relação aos outros.
Além disto, somos seres gregários e gostamos de nos identificar com o grupo ao qual pertencemos. A convivência, portanto, nos modifica e acentua as nossas qualidades e, se deixarmos, as nossas imperfeições também.
Mas, por que viver em sociedade é importante para nós?
Exatamente porque o nosso desenvolvimento requer aprendizado. E, convenhamos, é muito mais fácil e rápido aprender com alguém do que termos que descobrir tudo sozinhos.
Não é à toa que a Lei de Sociedade se relaciona, de maneira intrínseca, com a Lei de Progresso.
A sociedade evolui mais acentuadamente na medida em que seus membros atuam de forma mais coesa e solidária. Nenhuma corporação, instituição, ou mesmo, um time de futebol, consegue êxito se cada um só trabalhar em prol de seus próprios interesses, sem colaborar e compartilhar suas descobertas e conquistas com os demais integrantes da equipe.
O desenvolvimento nos compele a compartilhar e, para isto, temos que olhar para o outro. Temos que descobrir a importância de alguém, além de nós mesmos. E isto, nos confere aquilo que podemos chamar de senso de alteridade.
A descoberta do outro nos auxilia a compreender melhor quem somos nós. E, com isto, vamos notando diferenças, hábitos, gostos e comportamentos que nos agradam ou não e, a partir disto, moldamos os nossos valores.
Percebemos que há, sim, pessoas diferentes de nós e aprendemos a nutrir sentimentos por elas. Sofremos, amamos, nos preocupamos e nos alegramos por outros.
Esse convívio nos afasta da solidão, que se manifesta quando o indivíduo vive voltado exclusivamente para dentro de si, construindo em seu pequeno ego uma fortaleza particular.
Allan Kardec, em o Livro dos Espíritos, condena o isolamento, por considerar que é um ato de egoísmo. E é mesmo! Mas, além disto, o isolamento é um ato de desperdício porque a Humanidade é muito rica, e aquele que se priva do contato com outras pessoas (porque vai dar trabalho, porque vai ter que saber o que falar, porque vai ter que ouvir outras histórias, porque vai ter que contar a sua vida…), acaba perdendo a parte mais bacana da vida: a incrível descoberta das diferenças. Aquele que deixa de ouvir uma história perde a narrativa de outras paisagens, outras perspectivas e, às vezes, até um amigo.
A convivência, além de nos ensinar a comer com garfo e faca, nos faz lidar melhor com as outras pessoas e, com isto, acabamos nos identificando com alguém aqui, com outro comportamento acolá. Com tudo que aprendemos, vamos, pouco a pouco, definindo melhor quem somos.
É isto. Definimo-nos a partir do outro e é por isto, por sermos tão próximos e tão parecidos, apesar das diferenças, é que conseguimos sentir piedade, misericórdia e amor. Esse princípio, chamado de interdependência, está presente na psicologia, nos estudos da linguagem, na sociologia e na antropologia. O desenvolvimento humano não pode prescindir da interação entre os indivíduos.
Isto equivale dizer que sem o outro não podemos nos afirmar como humanos. A Sociedade nos ensina que o nosso “eu” está no outro, tanto quanto o “outro” está em nós. É isto que nos torna incrivelmente humanos; é isto nos faz indissociavelmente irmãos.
Glaucia Savin