Quando Jesus nos convoca a amar ao próximo como a nós mesmos, surge a questão: Quem seria o nosso próximo? Foi essa a pergunta que o Doutor da Lei fez a Jesus e levou o Mestre a narrar a célebre Parábola do Samaritano(Lc 10:30-35), já conhecida de todos nós.
Se a Parábola nos fosse contada hoje, poderíamos imaginar em um cenário mais ou menos assim:
Um jovem gay é espancado na Praça da Sé, em São Paulo. É um lugar bem perigoso e cheio de gente que passa apressada. O jovem, quase desacordado, foi deixado nas escadarias da Catedral por um grupo de rapazes.
Nesse dia, passa por ele um juiz que está se dirigindo ao Tribunal, que fica do outro lado da Praça. Ele olha para o rapaz, mas está apressado para os compromissos do trabalho e não se detém. Igualmente, passa um religioso que o confunde com um mendigo e pensa que, provavelmente, se trata de mais um drogado, como tantos que frequentam a Praça e dormem nas escadarias.
Em seguida, o jovem é avistado por um senhor de aspecto sereno e distinto. É espírita. Ao cruzarem os olhares, o homem realiza uma prece mentalmente , mas também não para porque o local é muito perigoso e não convém ficar por ali por muito tempo.
Por último, aparece um skatista, tatuado, cheio de piercings, mas este se compadece do rapaz. Ele para e, ao perceber que o rapaz teria levado uma surra, pega o celular e liga para o SAMU. Aguarda a chegada do resgate, coloca o skate na mochila, sobe na ambulância e acompanha o moço até o hospital. Após se certificar de que o homem será atendido, pega o celular do rapaz e anota o número. No dia seguinte, manda uma mensagem de WhatsApp, perguntado sobre seu estado de saúde.
Ao trazermos a Parábola para o nosso cenário atual, vemos que a cena contada por Jesus se repete todos os dias nas cidades onde vivemos.
Ao pensarmos em quem é nosso próximo, somos tentados a auxiliar sem pensar as pessoas do nosso grupo familiar; do nosso núcleo de trabalho; aqueles que estudaram na mesma escola que nós; que moram perto da nossa casa ou que frequentam o nosso Centro Espírita. A isto se denomina homofilia, que é o amor entre os iguais, entre aqueles que compartilham características comuns (crenças, valores, instrução, origem etc), o que torna a comunicação e o relacionamento mais fáceis. Há uma identidade imediata entre aqueles que se parecem.
Mas, quem ajuda àqueles profundamente diferentes? Quando nos sentimos tocados ao ver o outro, profundamente diferente de nós, em situação de risco? Quando nos dispomos a verdadeiramente auxiliar quem é diferente de nós sem qualquer julgamento sobre a sua condição? Quando concordamos em amparar sem querer converter o outro às nossas crenças, preferências políticas, escolhas e valores?
Neste momento em que vemos o mundo tão polarizado, favorecendo a exacerbação das diferenças, precisamos ter redobrado cuidado para não estimularmos o ódio gratuito ou para não sermos contaminados por ele.
O amor ao próximo só acontece quando somos capazes de sentir compaixão por aqueles que se distinguem de tudo o que acreditamos e que são profundamente diferentes de nós.
Mais do que nunca, ao nos dispormos a ver o outro além do espelho que só reflete a nossa própria imagem e semelhança, precisamos buscar a face multifacetada de Deus que nos criou tão diferentes, mas tão parecidos com Ele porque destinados à plenitude.
GLAUCIA SAVIN