Nossa caçula está morando no Canadá e essa nova fase já está produzindo frutos. Bom para nós que fomos brindados com esse texto.
Há algum tempo na minha vida que venho planejando uma mudança. Como uma daquelas coisas que “sabemos que temos que fazer”, esse pensamento me rodeia desde a juventude. No entanto, somente agora, às vésperas de completar 40 anos, consegui reunir as circunstâncias necessárias para efetivamente colocar o plano em prática.
Não consigo definir uma motivação específica para essa iniciativa, mas de tudo que envolvia “largar tudo para trás” e recomeçar do zero em outro país, o que mais me animava era a quantidade de experiências novas que eu iria viver e o tanto que eu iria aprender com elas. De certa forma, soava como a oportunidade de uma nova encarnação dentro da mesma encarnação.
Junto com as experiências novas, surgem também novos sentimentos e reflexões que talvez não apareceriam se eu estivesse na rotina do meu cotidiano. Alguns mais evidentes do que outros, mas todos oportunos de serem compartilhados.
O primeiro que realmente me arrebatou, pois claramente eu não imaginava que fosse tanto assim, foi a quantidade de coisas que a gente acumula na vida. Não estou falando agora de experiências, mas de coisas mesmo, objetos, utensílios. Eu definitivamente não me considero uma pessoa consumista, morava em um apartamento pequeno e não tinha nem muitos móveis. Achei que a parte da mudança, da realocação dos meus pertences, seria tranquila. Até que começamos a abrir os armários e as gavetas e a colocar tudo para fora.
A primeira coisa que desejamos foi haver começado antes esse processo. Imediatamente bateu um desespero e achamos que não iríamos conseguir organizar tudo a tempo. Na sequência, passamos a reconhecer que não deveríamos ter acumulado tanto, por mais que não nos julgássemos acumuladores. Conforme íamos colocando tudo para fora, cruzávamos com autojulgamentos de culpa, desperdício e saudades, mas praticamente nenhum com essência positiva. Por várias vezes me peguei pensando no enorme trabalho que eu daria para minha família se porventura eu desencarnasse.
Foi um processo claro de expurgação, não somente material, mas sentimental e espiritual. Entretanto, definitivamente não deveríamos ter esperado tanto tempo para passar por isso. Deveríamos ter feito arrumações e sessões de desapego muito mais periódicas, ainda que não julgássemos necessário. No fim, nossas coisas partiram em diversas doações diferentes e sabemos até que serão bem aproveitadas, mas o que seguiu conosco na mudança coube em duas malas por pessoa. Após tanto refletirmos sobre a real necessidade das coisas, na nossa bagagem até sobrou espaço.
Hoje, vemos que realmente precisamos de muito pouco para viver. Percebemos que naturalmente temos o instinto de acumular, mas que na época em que vivemos, devemos lutar continuamente contra isso e reconhecer a necessidade de empregar melhor nossos recursos, investir no que é realmente importante e indispensável, e valorizar os momentos de alegria e gratidão, que não são tangíveis nem ocupam espaço, mas que duram e nos acompanham para sempre. Assim como as experiências.
TAISA BACHARINI